O juiz federal substituto Gustavo Dias de Barcellos indeferiu o pedido de liminar em ação pública movida pelo do Ministério Público Federal contra a OAB/SC pela qual pretendia, inclusive em liminar e em antecipação dos efeitos da tutela, que a Seccional fosse condenada a não suspender o exercício das funções de advogados ou impor qualquer sanção ética-profissional, a não recusar o recadastramento ou a expedição de documento de identificação profissional e a não impedir o exercício do direito ao voto nas eleições da OAB, em virtude de inadimplência.
Para tanto, alegou o autor que a OAB/SC tem criado embaraços ao exercício do direito à liberdade profissional, ao trabalho e à participação política dos advogados inadimplentes com a instituição, em flagrante ofensa aos preceitos constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade, da liberdade profissional e do direito fundamental ao trabalho. Acrescentou que o exercício profissional não pode ser condicionado à adimplência do profissional com a autarquia que o fiscaliza, porque tal condição não está afeta à qualificação profissional do cidadão, sendo inconstitucionais os artigos 34, XXIII e 37, I e §§ 1º e 2º da Lei nº 8.906/94, na parte em que possibilitam a suspensão do exercício profissional dos advogados em débito com a OAB.
Por fim, sustentou a inconstitucionalidade do uso de sanções políticas para compelir o profissional a saldar suas dívidas, bem como a violação do princípio democrático e do princípio da legalidade no que toca à proibição do voto aos advogados inadimplentes.
A OAB/SC contestou, asseverando que a suspensão do exercício profissional em razão de inadimplência está prevista em lei, sendo precedida de processo administrativo disciplinar com acesso ao contraditório e à ampla defesa. No que tange ao recadastramento dos advogados, salientou que a medida já foi exaurida e que atualmente não há distinção entre advogados adimplentes ou inadimplentes para a renovação das credenciais. Citou jurisprudência e pugnou pela improcedência do pedido.
Na sentença, o juiz declarou não conhecer o pedido relativo à abstenção da OAB de impedir o recadastramento dos advogados inadimplentes, por falta de interesse de agir, visto que tal recadastramento foi realizado no ano de 2002 (fls. 48-50), não mais produzindo efeitos as resoluções impugnadas pelo autor (Resoluções nº 03/2001 e nº 07/2002 do Conselho Federal da OAB).
No mérito, a decisão foi a seguinte:
Da suspensão do exercício da profissão e do impedimento ao direito de voto em situação de inadimplência
O artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988 determina:
"Art. 5º.
(...)
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
(...)".
Dita disposição constitucional importa na submissão do exercício profissional ao princípio da reserva legal. Vale dizer que qualquer condição ou pressuposto para o efetivo desempenho de atividade profissional deve estar amparado em lei. O contrário acarreta afronta à Carta Magna e aos princípios que a norteiam, em especial aos da legalidade e da reserva legal.
Na situação em análise, a adimplência do advogado perante a Ordem dos Advogados do Brasil não é propriamente uma condição para o exercício da advocacia. O artigo 34, inciso XXIII, da Lei nº 8.906/94 - Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - estabelece como infração disciplinar, sujeita a pena de suspensão (art. 37, I, §§ 2º e 3º), o não-pagamento de contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de notificado o advogado para o pagamento, por quebra da diretiva ética que deve guiar os profissionais da advocacia.
A apuração da infração e a conseqüente aplicação da pena de suspensão dependem da instauração de procedimento administrativo disciplinar, no qual é oportunizado ao advogado inadimplente o contraditório e a ampla defesa. Não se trata, assim, de simples sanção política, mas de punição por infração ao dever ético exigido dos integrantes da OAB.
De outro lado, o artigo 63, § 1º, da Lei 8.906/94, encarregou ao Regulamento Geral da Ordem dos Advogados do Brasil a tarefa de estabelecer os critérios e procedimentos a serem aplicados nas eleições dos membros dos órgãos da Ordem, sendo assim determinado:
Art. 134.[...]
§ 1º O eleitor faz prova de sua legitimação apresentando sua carteira ou cartão de identidade profissional e o comprovante de quitação com a OAB, suprível por listagem atualizada da Tesouraria do Conselho ou da Subseção" - sem grifos no original.
A exigência de estar o advogado em dia com as suas obrigações pecuniárias para participar das eleições, portanto, não está estabelecida apenas na Resolução nº 21/2009, encontrando suas raízes no Regulamento Geral.
Importante salientar que o artigo 54, inciso V, da Lei nº 8.906/94, incumbiu expressamente ao Conselho Federal da OAB a edição e alteração do Regulamento Geral da OAB. Deste modo, não há que se falar em usurpação do poder regulamentar do Presidente da República.
Frisa-se que o Regulamento, ao instituir a obrigação de adimplência para o exercício do direito de voto, tão-somente cumpriu o comando do artigo 63, § 1º, do Estatuto da OAB, sem contrariar ou extrapolar a Lei.
O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiram no sentido de manter a exigência ora impugnada:
RESP 200602454440. RESP - RECURSO ESPECIAL - 907868. Relator(a). LUIZ FUX. Sigla do órgão STJ. Órgão julgador. PRIMEIRA TURMA. Fonte DJE DATA:02/10/2008
Ementa
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OAB. DIREITO A VOTO. DEVER DE QUITAÇÃO. LEGALIDADE. 1. A OAB, autarquia especial, ostenta legitimidade para estabelecer requisitos formais habilitando os seus associados a exercitarem o direito de voto, fixando requisitos em lei e regulamentos, porquanto autorizado pelo exercício do Poder Regulamentar da Administração. 2. A observância do requisito de quitação da anuidade perante a autarquia profissional não é medida desarrazoada ou inviabilizadora da participação massiva dos advogados no pleito eleitoral, porquanto visa a garantir o exercício de um direito condicionado ao cumprimento de um dever. 3. In casu, o acórdão objurgado ressaltou, verbis: "(...) a exigência de os advogados estarem em dia não é propriamente uma sanção, mas sim um ônus em contrapartida ao exercício de direitos. (...) Há ainda de se considerar que o descumprimento do dever de solidariedade em custear a ordem profissional implica infração a diretiva ética constante no art. 34, XXIII da Lei 8.906/94. Segundo o art. 1º Código de Ética e Disciplina da OAB, "o exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional." (...) Também não há violação ao devido processo legal ante a não instauração de procedimentos administrativos. O art.34, XXIII da Lei 8.906/94 ao dispor que "constitui infração disciplinar deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo", exige a simples notificação como requisito procedimental, depois da qual poderão ser apresentadas as razões e provas impedientes à constituição do crédito. (...) Mesmo que se entenda que o "regularmente" não se refira à situação de adimplência, o fato de a ausência de pagamento das contribuições importar em infração disciplinar passível de suspensão e interdição do exercício profissional, e até de exclusão dos quadros da OAB (arts. 37, §1º e 38, I da Lei 8.906/94), com muito mais razão se justificaria a restrição ao direito de voto constante no art. 134 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. 4. Precedente: MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.272 /SP Relator: Ministro Francisco Falcão, Relator DJ 21.11.2000. 5. Na hipótese do cometimento pelo advogado da infração prevista nos incisos XXI ("recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele") e XXIII ("deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo") do art. 34 da Lei 8.906/94, prevê o art. 37, § 2º, da mesma Lei, que a penalidade administrativa de suspensão deve perdurar até que o infrator "satisfaça integralmente a dívida, inclusive com correção monetária". Tal regramento visa dar efetividade às penalidades de suspensão aplicadas pela OAB quando a questão for relativa a inadimplência pecuniária, pois alarga o efeito da pena até que a obrigação seja integralmente satisfeita. (REsp 711.665/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11.10.2005, DJ 11.09.2007) 6. Recurso especial desprovido.
"STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1058871 CE 2008/0108151-0. Relator(a): Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Julgamento: 04/12/2008. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Publicação: DJe 19/12/2008. Administrativo. Conselho profissional. Eleição de membros. Participação restrita a advogados adimplentes. Legalidade do regulamento geral da oab.
Ementa: ADMINISTRATIVO. CONSELHO PROFISSIONAL. ELEIÇÃO DE MEMBROS. PARTICIPAÇÃO RESTRITA A ADVOGADOS ADIMPLENTES. LEGALIDADE DO REGULAMENTO GERAL DA OAB.
1. A controvérsia cinge-se em saber se o § 1º do art. 134 do Regulamento Geral da OAB - a que faz menção o § 1º do art. 63 da Lei n. 8.906/64 - pode prever a necessidade da adimplência como requisito para que o advogado exerça a condição de eleitor ou, se fazendo isso, há violação ao art. 63, caput, desse diploma normativo.
2. O caput, parte final, do art. 63 da Lei n. 8.906/94 (base da pretensão recursal) diz apenas o óbvio, ou seja, que o eleitorado será formado, necessariamente, por advogados inscritos - excluídos, portanto, os estagiários e os advogados desligados, por exemplo. Outros parâmetros limitadores ficarão a cargo do regulamento, conforme se observa da simples leitura do § 1º do art. 63 da Lei n. 8.906/94.
3. O art. 134, § 1º, do Regulamento Geral da OAB é legal, pois não vai além do disposto no art. 63 da Lei n. 8.906/94.
4. Recurso especial não-provido
Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Processo: 2000.70.00.029941-0 UF: PR. Data da Decisão: 31/10/2001 Orgão Julgador: QUARTA TURMA. Inteiro Teor: Citação: Fonte DJ 16/01/2002 PÁGINA: 929
Relator VALDEMAR CAPELETTI. Decisão A TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Ementa ADMINISTRATIVO. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. ADVOGADOS INADIMPLENTES. DIREITO DE VOTO.
Não atenta contra a Constituição nem à lei a privação do direito de voto em relação aos advogados que não estavam quites com a Tesouraria em outubro de 2000, estabelecida pelo art. 5º, da Resolução nº 006/00, da Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná.
Importante salientar, tanto no que toca à suspensão do exercício profissional por infração disciplinar quanto à não-participação nas eleições, que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil já foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela AMB, não sendo apontada qualquer inconstitucionalidade ou invalidade nos dispositivos ora questionados. Assim, resta infundada e descabida a alegação de inconstitucionalidade em questão, seja por ofensa a princípios constitucionais, seja por violação ao artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal.
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Florianópolis, 19 de abril de 2010.
Gustavo Dias de Barcellos
Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena
Assessoria de Comunicação da OAB/SC


