Discurso do governador Luiz Henrique da Silveira na posse do desembargador Jorge Mussi no cargo de Governador do Estado
Florianópolis (12/1/2006) - Sala das Sessões do Tribunal de Justiça, 12
de Janeiro de 2.006.
Meu Caro Desembargador Jorge Mussi,
As circunstâncias de duas viagens inadiáveis: a do Vice-Governador Eduardo Pinho
Moreira ao Japão, onde vai tratar do financiamento de 400 milhões de dólares
norte-americanos, para o saneamento do Estado; e a que vou empreender à Rússia,
para sustar o bloqueio às nossas exportações de carne suína, bem como a licença
do Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Julio César Garcia, ensejam a
posse do Presidente dessa Egrégia Corte no cargo de Governador do Estado.
Santa Catarina tem um dos piores índices de saneamento. Nessa área, só ganhamos
do Piauí, Roraima, Pará, Rondônia e Acre. E o JBIC -- Banco Japonês para a
Cooperação Internacional firmará, com o Estado, financiamento de quatrocentos
milhões de dólares norte-americanos, com as menores taxas de juros
internacionais, ou seja: 1,8% ao ano.
Esse financiamento é auto-financiável, pois terá uma carência de sete anos e
mais 25 anos para pagá-lo. Com ele, além de sanear todas as nossas praias e as
mais afetadas cidades catarinenses, avançaremos, no prazo de execução das obras,
que é de oito anos, de apenas 11% para 70% em termos de saneamento das nossas
áreas urbanas e rural.
Santa Catarina ainda tem 400 mil pessoas sem água tratada, em suas casas. Esse
financiamento vai permitir universalizar esse direito básico da cidadania, que,
hoje, beneficia 94% dos catarinenses. O financiamento, que o Vice-Governador
Eduardo vai tratar no JBIC, atenderá os 6% restantes, que vivem à margem desse
imperativo de saúde!
Enquanto isso, vou me reunir com as autoridades que cuidam da política da
sanidade agrícola russa, para demonstrar-lhes que o fenômeno da aftosa, ocorrida
no Mato Grosso do Sul, e, ainda, não comprovada, no Norte do Paraná, não afetou,
nem de longe, o nosso rebanho.
Para que os Senhores desembargadores e os demais presentes tenham uma idéia da
relevância deste assunto, as exportações de carne, especialmente de suíno e
frango, representam o principal item da nossa balança comercial. E a Rússia nos
compra sessenta por cento do que exportamos, em termos de carne suína.
Além da forte estiagem, que castiga, pelo terceiro ano consecutivo, o Oeste
catarinense, esse embargo russo, se mantido, pode determinar uma grave crise
social no campo catarinense – onde mais de 200 mil produtores rurais vivem da
atividade pecuária. Essas emergências nos fazem viajar, o Vice e eu, ao
exterior. Vamos, sabendo que o Governo fica sob o comando de mãos competentes e
honradas.
Dois advogados são os principais protagonistas desta cerimônia. Um, que se fez
político; outro que se fez juiz, mas que nunca deixaram de sê-lo, na essência,
ambos voltados para o desenvolvimento do nosso Estado e para a justiça social ao
nosso povo.
O Presidente da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil,
nosso chefe e líder, Adriano Zanotto deve estar exultante, porque a
transferência de poder se faz de causídico para causídico, numa exaltação ao
papel libertário e justicialista da nossa casa principal: a OAB!
Mas esta é, indubitavelmente, nobres Senhores Juízes e Desembargadores, uma
homenagem ao Poder Judiciário e a todos os que militam na árdua e difícil missão
de fazer justiça. Ao cumprirmos o dispositivo constitucional da ordem de
sucessão, mantemos, também, os inarredáveis princípios de respeito, cooperação,
mas, sobretudo, harmonia e independência entre os Poderes!
Prezado Desembargador Jorge
Mussi. Peço licença para me tornar meeiro das palavras que, há quase dois anos,
o saudaram na investidura deste cargo.
Sobre o Presidente sainte, Desembargador Antônio Fernando do Amaral e Silva,
dizia-se, então: “... sempre abriu oportunidade para o novo e jamais sucumbiu
perante o compromisso da mesmice” (...) “à frente deste Poder renovou conceitos,
mudou atitudes e rotinas, aprimorou condutas, imprimiu maior agilidade,
economia, efetividade e segurança à justiça, visando especialmente atender aos
jurisdicionados que mereciam maior proteção”.
Sobre Vossa Excelência dizia-se, então: “A presença obrigatória de advogados
nos seus quadros, conforme previsão constitucional, não é uma fórmula existente
para se burlar o ingresso sem o devido concurso público. É, acima de tudo,
trazer a este Poder a experiência dos que militam do outro lado do balcão, no
dia-a-dia da advocacia, e que conhecem os anseios e reclamos da sociedade.
Vossa Excelência procurará consolidar o trabalho de seu antecessor para dotar
este Poder de estruturas mais modernas, dando-lhe maior eficácia em benefício da
própria justiça”.
Lembro-me de sua profissão de fé, em entrevista concedida às vésperas da posse:
"Onde eu puder, em qualquer canto do Estado de Santa Catarina, irei implantar
esse juizado especial”. E lembro-me, também, da minha reação. Entusiasmado com a
celeridade com que havíamos conseguido consolidar as 29 Secretarias Regionais, e
contagiado pela convicção e determinação exaradas naquela sentença, tive a
certeza de que, em breve tempo, a cidadania jurídica estaria espalhada por toda
Santa Catarina.
Decorridos poucos anos, as 17 comarcas previstas já foram instaladas e, desde o
início deste ano, as 53 varas estão sendo instaladas em todo o Estado.
Vossas Excelências ampliaram a rede descentralizada de prestação dos serviços
judiciários, imunes às imprecações de quem, no magnífico dizer de Ulysses
Guimarães, “no cais alvoroçado, como o Velho do Restelo de todas as epopéias,
com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do
imobilismo e a invencibilidade do estabilishment. Conjuram que é hora de fiar e
não de se aventurar”.
Agindo assim, temos caminhado, paralelamente, para frente, construindo pontes em
lugar de muros, rasgando os véus que encobrem a realidade e dão corpo às
sombras, iluminando esquinas abandonadas, vivificando quadrantes esquecidos,
unindo irmãos relegados pela força centrípeda da centralização.
Esta cerimônia tem esse arejamento de janelas abertas, essa aura benfazeja, esse
caráter benigno. A investidura do desembargador Jorge Mussi no governo do Estado
é o reconhecimento pela trajetória de um advogado competente, de um magistrado
de comportamento impecável e de um ser humano sensível, cordato e,
principalmente, humilde.
Por um lapso de 24 horas não foi possível fazer coincidir esta cerimônia com a
comemoração dos 141 anos de nascimento de um outro ilustre Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, o pernambucano Sálvio de Sá
Gonzaga, também um dos professores-fundadores da nossa querida Faculdade de
Direito de Santa Catarina, em 1932.
Também por um lapso de 24 horas não foi possível fazer coincidir esta cerimônia
com a lembrança, dos 108 anos da paradigmática carta “J’Accuse”, que
transcorrerá amanhã,na qual Emile Zola denunciou o governo francês de levar o
poder judiciário a cometer o maior erro de sua história, condenando Dreyfus.
Mas a data de hoje coincide
com os 93 anos do nascimento do escritor e jornalista Rubem Braga, que dizia:
"Eu observo as coisas com dois olhos que, embora castanhos e mesmo tirantes a
verde, vêem este mundo com bastante clareza"; uma clareza que pode ser percebida
em um de seus mais belos contos – “O PADEIRO”, no qual nosso grande contista
relata:
“Enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci
antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a
campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então você não é ninguém?".
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas
vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma
empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro
perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é
ninguém, não senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Naquele
tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada
que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela
oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares
rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante
porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu
escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão
estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a
lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é
ninguém, é o padeiro!".
E assobiava pelas escadas.
Muitos anos depois de ler este conto, li uma definição de Franco Montoro como
homem público, dada por ele mesmo ao jornalista Elio Gaspari, quando completou
80 anos, em 1996: "Eu sigo um ensinamento do padre Lebret: o importante é você
se considerar um zé-ninguém a serviço de uma grande obra".
O velho Ulysses Guimarães costumava dizer que “o poder não é perigoso. Perigoso
é seu exercício por homens imperfeitos, egoístas, vítimas de apoteose mental ou
do culto à personalidade. São os burros carregados das relíquias, da fábula de
La Fontaine. Presumem que as zumbaias são para si, não para as relíquias.
Espantam-se e se lamuriam quando ao acabar o mando, acaba o incenso”.
A estátua dos estadistas não é forjada pelo varejo da rotina ou pela fisiologia
do cotidiano. Não é somente para entrar no céu que a porta é estreita. Por
igual, é angustiosa a porta do dever e do bem, quando deles depende a redenção
de um povo.
Por isso, se alguém, vendo todos esses carros lá fora, perguntar o que é que
está havendo aqui, no Tribunal, na saída, digam-lhe:
-- Nada de especial. Não foi ninguém, apenas dois advogados, um passando o
governo para o outro.



