NOTA TÉCNICA SOBRE MEDIDA PROVISÓRIA 1.023/2020 E SEUS EFEITOS SOBRE O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL BPC/LOAS.
1. INTRODUÇÃO
No último dia de 2020 foi publicado no Diário Oficial da União – DOU – a Medida Provisória – MP – n° 1.023/2020, que alterou a renda mensal per capita para que a família seja considerada incapaz de prover a manutenção de pessoa com deficiência ou idosa, logo, para que os assistidos possam ter acesso ao BPC/LOAS.
A MP altera o artigo 20 da Lei 8.742, de 1993, e estabelece critério de renda exigido para fins de percepção do BPC. Segundo amplamente divulgado na mídia, as alterações introduzidas por meio da referida MP poderá retirar de 500 mil pessoas o direito ao percebimento do BPC.
Diante desse quadro, e no cumprimento de seu dever institucional, as Comissões de Direito Previdenciário (Regime Geral), Assistência Social, Direito da Pessoa Idosa e Direito das Pessoas com Deficiência da OAB/SC, vêm, através da presente nota técnica, manifestar-se sobre os pontos que entendem relevantes, conforme segue:
2. HISTÓRICO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O Benefício Assistencial, popularmente conhecido por BPC/LOAS, tem previsão constitucional que garante o pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência e idosas que não possuam meios de prover à própria subsistência, ou de tê-la provida por sua família, conforme dicção do art. 203, V, da Carta Magna:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...].
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993, que regulamentou a Assistência Social, em seu art. 20, perfectibilizou a garantia Constitucional:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e Norma Operacional Básica (NOB/SUAS), aprovada em 2004, apresenta as diretrizes para efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado.
A formação de sistemas de proteção social resulta de ação pública que visa a resguardar a sociedade dos efeitos dos riscos clássicos que produzem dependência e insegurança: doença, velhice, invalidez, desemprego e exclusão.
Também tem sido reconhecido o papel dos sistemas de proteção social no desenvolvimento econômico, inclusive como fator de estabilidade para países com sistemas mais aperfeiçoados.
No desenho institucional atual, o BPC integra a Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), destinada à população em situação de vulnerabilidade social, entendida como decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização de vínculos afetivos.
3. ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA MP N° 1.023/2020
A MP 1.023/2020, de 31-12-2020, alterou o art. 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece o critério de renda exigido para fins de percepção do BPC, que voltou a ter como limite a renda mensal per capita inferior a um quarto de salário mínimo.
Em sua redação original a Lei 8.742/1993 adotava esse mesmo critério, ou seja, considerava incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita fosse inferior a um quarto do salário mínimo. Tal critério foi mantido pela Lei 12.435, de 2001.
Nada obstante, em março de 2020, o Congresso Nacional, por meio da Lei 13.981, de 2020, aprovou alteração legislativa que ampliou o critério de renda per capta para meio salário mínimo. O aumento da renda foi vetado pelo presidente da República, sob argumento de que o novo critério geraria despesas obrigatórias sem a indicação da respectiva fonte de custeio, além de não ter o estudo de impacto orçamentário e financeiro, fato que, segundo o governo, violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, LC 101/2000.
O veto Presidencial foi derrubado pelo Congresso Nacional, entretanto, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, em liminar monocrática, suspendeu a vigência normativa.
A fim de pôr um fim à celeuma, sobreveio a Lei 13.982, de 2020, que restabeleceu o critério de renda igual ou inferior a um quarto do salário mínimo, com vigência apenas até 31 de dezembro de 2020.
Assim, com o fim da vigência da Lei 13.982/2020 fez-se necessária a edição da MP 1.023/2020, que fixou o limite da renda per capta vigente em 2021 novamente inferior a um quarto de salário mínimo.
A edição da MP 1.023/2020 foi necessária para garantir a continuidade do BPC, uma vez que o STF definiu, no julgamento da ADI 1.232/DF, que o disposto no inciso V, do art. 203, da CF/88 é norma não auto-aplicável, o que impõe sua regulamentação.
Nada obstante, especificamente sobre o mérito da MP, inegavelmente perdeu-se a oportunidade de equalizar o critério de renda para concessão do BPC e aquele previsto no Decreto nº 6.135, de junho de 2007, que trata das famílias de baixa renda elegíveis ao Cadastro Único - famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo.
O critério de renda de um quarto de salário mínimo per capta fixado pela MP em comento é menor, inclusive, àquele adotado pelo IBGE para aferição dos quase 52 milhões de pessoas na linha de pobreza, cuja renda é de até R$436,00.
Notadamente, caso fosse elevado o critério do BPC de um quarto de salário mínimo para meio salário mínimo, haveria uma maior abrangência da população, o que auxiliaria para redução da margem de pobreza, haja vista que as situações de deficiência e envelhecimento nas famílias em vulnerabilidade socioeconômica se apresentam como agravante no estabelecimento da pobreza, exclusão e desigualdade social.
A título de exemplo, apenas a exclusão daqueles com renda igual a um quarto de salário mínimo poderá retirar o direito ao percebimento do BPC de 500 mil pessoas, em afronta à consagração da previsão contida no artigo 5º da CF/88.
Ademais, outra questão enfrentada pela MP 1.023/2020 diz respeito ao momento pandêmico vivido mundialmente, cujos reflexos nefastos se intensificam aqui no Brasil, sobremaneira para aqueles com maior vulnerabilidade social.
Por fim, não é demais lembrar que o critério de renda (re)introduzido pela MP 1.023/2020 vale taxativamente apenas na via administrativa, junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, responsável pela análise dos requerimentos, documentos e perícias competentes, seu pagamento e revisões, porquanto na via judicial, especialmente a partir do julgamento pelo STF da Reclamação 4.374/PE e do Recurso Especial Repetitivo 1.112.557/MG pelo STJ, a jurisprudência vem admitindo a flexibilização do critério puramente matemático, a partir de outros elementos de prova capazes de comprovar a vulnerabilidade.
Indubitavelmente, toda essa instabilidade legislativa contribui para o indesejado aumento da insegurança jurídica, cujos efeitos práticos afetarão tanto os assistidos pelo BPC, que têm nele, em sua grande maioria, sua única fonte de sustento, bem como o judiciário, já assoberbado, desaguadouro natural que receberá nova leva de ações para rediscussão do critério de renda para percebimento do BPC.
Florianópolis, 11 de janeiro de 2020.
Anselmo Alves, Presidente da Comissão de Direito das Pessoas com Deficiência.
Marilene Francisca de Campos, Presidente da Comissão de Direito da Pessoa Idosa.
Jaína Atanázio dos Santos, Presidente da Comissão de Assistência Social.
Jorge Mazera, Presidente da Comissão de Direito Previdenciário (RG).
Assessoria de Comunicação da OAB/SC