Devido à grande repercussão e desinformação que as revogações das resoluções CONAMA 284, 302 e 303 ocorridas em 28/09/2020 durante a 135ª reunião ordinária do CONAMA geraram nos mais diversos canais de comunicação, levando um assunto jurídico para o ambiente político, a Comissão de Direito Ambiental, na intenção de expor posicionamento eminentemente técnico, por meio de seus membros subscritores da presente nota, vem a público esclarecer o seguinte.
As áreas de preservação permanente existem no Brasil desde o primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793/1934) que as chamava de ‘florestas protetoras’, o qual deixava claro que estas áreas deveriam atender às suas respectivas finalidades (artigo 4º) para que assim fossem classificadas, ao exemplo da fixação de dunas, evitar erosão das terras, conservar regime das águas, dentre outros.
O Código Florestal de 1965 (Lei Federal nº 4771) então passou a considerar áreas de preservação permanente, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas (art. 2º): “f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”.
A Resolução CONAMA 302, por sua vez, publicada em 13/05/2002, norma infralegal, pautada no Código Florestal de 1965 (revogado), ampliou a proteção ambiental das referidas APPs onde deveriam incidir apenas “como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues” para determinar: “IX - nas restingas: a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues; X - em manguezal, em toda a sua extensão; XI - em duna;”.
Portanto, ao regulamentar o antigo artigo 2º, alínea f, da então vigente Lei Federal 4.771/65, inovou e ampliou o seu conceito. E atualmente ao manter regulamentação de lei revogada, a referida normativa encontra-se “tacitamente revogada”, além do mais, segundo o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, CF), "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, II, CF).
Se não houve lei federal que tenha determinado ampliação do Código Florestal, referidas resoluções não poderiam ser mantidas em vigência, pois não cabe ao CONAMA a competência legislativa para tanto, sob pena de violação de cláusulas pétreas como a separação de poderes, legalidade, dentre outros, pois a Política Nacional do Meio Ambiente determina que cabe ao CONAMA propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente, bem como deliberar critérios, índices e padrões técnicos que não são familiares ao Poder Legislativo.
A Constituição Federal determina que somente a norma do tipo lei poderá criar, modificar ou extinguir direitos. A força de lei das resoluções do CONAMA ocorre apenas para detalhar/suplementar o que já está disposto na moldura da lei federal, mas jamais poderá servir para ampliar a restrição ou a permissão, sob pena de flagrante inconstitucionalidade;
Resolução do CONAMA não pode ser considerado como norma primária e como bem assentado pelo Agravo de Instrumento nº 5013002-56.2020,4,02,0000/RJ, de relatoria do Desembargador Federal Marcelo Pereira da Silva do TRF 2ª Região, a questão não é meramente ambiental, sobretudo de conflito aparente de normas, cujas resoluções foram editadas na vigência do Código Florestal de 1965 (Lei Federal nº 4771), revogado pelo Código Florestal de 2012 e, neste sentido, de acordo com o Decreto Federal nº 10.139/2019 que trata da revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto, é obrigatória a revogação expressa de normas já revogadas tacitamente (art. 8º, I).
Situação semelhante ocorreu na Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, através da Resolução 43 de 28 de setembro último, revogou 224 normas "consideradas implicitamente revogadas ou cuja eficácia ou validade encontram-se prejudicadas".
Não obstante as argumentações de violação à vedação de retrocesso ambiental e violação constitucional, o inconformismo com as atuais normas do Código Florestal vigente já foi objeto de declaração de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento conjunto das ações ADC42, ADI’s 4901, 4902, 4903 e 4397, oportunidade em que foram analisados os dispositivos legais referentes aos manguezais, áreas de restinga, dentre outros, como consta no voto do Relator Ministro Luiz Fux.
É de ver que a Resolução 284/2001, que dispunha sobre o licenciamento de irrigação, constituía uma norma desnecessária, vez que, em grande medida, tratou de repetir regras gerais atinentes ao procedimento de licenciamento e não correspondia a uma necessidade de norma específica para a atividade.
As revogações feitas há muito eram esperadas pelos profissionais do Direito Ambiental- públicos e privados- em razão da insegurança jurídica que traziam, pois estavam em colisão com a moldura estabelecida pela norma federal. Diversos órgãos ambientais já haviam reconhecido a revogação tácita destas normas em razão de 2 critérios jurídicos: temporal e hierárquico. Porém, alguns agentes públicos quando resolviam entender pela aplicação de tais normas a insegurança jurídica reinava.
A proteção do meio ambiente não pode justificar arbítrios, ditaduras e assemelhados. Deve ocorrer dentro do Estado Democrático de Direito, segundo o qual os fins não justificam os meios.
Entendimento subscrito pelos membros da comissão de meio ambiente da OAB/SC presentes na reunião de 20/10/2020.
Rode Anélia Martins
Presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SC
Assessoria de Comunicação da OAB/SC